Por Rodrigo Vergara e Markus Lothar Fourier*
Imagine fazer parte de uma equipe em que todo mundo se sente seguro para dar sugestões, falar sobre suas preocupações, perguntar abertamente sobre o que não sabe e trocar ideias sobre erros cometidos – inclusive os próprios –, sem medo de ser punido, repreendido ou humilhado.
Para quem ainda acha que o caminho para a alta performance é exercer pressão máxima por resultados, ameaçando punição, um ambiente como o descrito acima pode parecer um contrassenso. Contraproducente, até.
Mas é essa abertura ao novo e esse espírito desarmado que cada vez mais pesquisas estão sugerindo ser a solução para obter resultados excelentes no atual ambiente de negócios, em permanente transformação. Incontáveis exemplos de sucesso em empresas reconhecidas mostram que os tempos de tirania e autoritarismo estão perdendo terreno para um espírito de aceitação e acolhimento em equipe, por razões que qualquer gestor entende: melhor performance e menor custo.
Claro, se seu time ainda opera em um cenário de negócios em que cada um faz seu trabalho sem necessidade de diálogo com os outros (ou seja, não há grande interdependência entre colaboradores e/ou áreas) ou se não há incerteza no horizonte (ou seja, as respostas testadas e aprovadas continuam dando os resultados esperados), esqueça essas recomendações.
Mas a maioria de nós já foi afetada pela mudança inevitável, frenética e complexa dos novos tempos e das novas tecnologias – o tal mundo VUCA sobre o qual HSM Management sempre fala. Nosso mundo já mudou e adaptar-se não é uma opção, mas um mandamento.
Primeiro porque os times não são mais como antes. É cada vez mais raro encontrar aquilo que se costumava chamar de equipe: um grupo estável de indivíduos em relações relativamente interdependentes, agindo para alcançar um objetivo compartilhado. Em vez disso, o mais comum é termos que colaborar com pessoas com todo tipo de diferenças (culturais, geográficas, temporais, geracionais, educacionais, profissionais e, em tempos de outsourcing, de vínculo com o negócio). Não temos mais o luxo de poder trabalhar com times estáveis e homogêneos.
A própria definição de equipe implodiu. De um grupo com relações hierárquicas, vamos nos movendo para redes cada vez mais horizontais, inspiradas pelo Manifesto Ágil, derrubando silos, redistribuindo poder e horizontalizando relações.
Aceitamos a interdependência e a incerteza dos novos modelos e os riscos de operar no desconhecido porque as respostas de costume não dão os resultados de sempre.
Além disso, a concorrência pelos melhores talentos nunca foi tão acirrada. Quando os meios de produção se resumem a um computador de capacidade mediana e uma boa conexão à internet, não é mais preciso fazer parte de uma grande estrutura organizacional para obter ganhos e se ver realizado. A vantagem competitiva das grandes corporações em atrair e reter talentos está cada vez menor. É preciso oferecer mais e mais recompensas para que um profissional talentoso se sujeite à tirania de chefes, à politicagem corporativa e ao calvário de estruturas burocráticas. As cadeias de valor mais fluidas e porosas oferecem uma autonomia e uma flexibilidade tentadoras demais para serem desconsideradas.
Nessas condições, como formar, manter e atuar em equipe?
A resposta mais sólida que as empresas têm encontrado é “confiança”: é criar as condições para que membros de equipes possam confiar uns nos outros para percorrerem juntos os caminhos que ninguém nunca trilhou, abertos a aprender com a tentativa e erro. Em outras palavras: segurança psicológica. Usamos o termo segurança psicológica porque “confiança” pode significar outra coisa, que Patrick Lencioni, o autor do best-seller The Five Dysfunctions of a Team, chama de predição de comportamento. Ou seja, porque José tem um histórico consistente em um determinado comportamento, eu confio que ele irá repetir seu desempenho pregresso. Aqui, neste texto, nos interessa outro possível significado da confiança, que o termo segurança psicológica define melhor: a crença de que eu posso me colocar vulnerável diante de outra pessoa, assumir minhas imperfeições e ainda assim ser aceito.
Segurança psicológica seria então “uma crença compartilhada pelos membros de uma equipe de que o time é seguro para correr riscos interpessoais, de que ninguém será punido ou humilhado por revelar suas imperfeições, ideias, questões, preocupações ou erros”, de acordo com a definição de Amy Edmondson, consultora, pesquisadora e professora da Harvard Business School, especialista no tema.
Qual a vantagem de um time ter segurança psicológica?
Em 2013, o Google não estava pesquisando segurança psicológica quando se defrontou com o tema. O objetivo do estudo da empresa que revelou o assunto era buscar as características-chave dos times de maior sucesso. Depois de dois anos de pesquisa em mais de 200 times internos, os pesquisadores descobriram algo surpreendente: o sucesso de uma equipe não depende de “quem” faz parte dela (ou seja, das competências técnicas, do background, da formação e da experiência de cada um na equipe para desempenhar a tarefa esperada). Mais importante era “como” essa equipe opera (quer dizer, como se dão as relações entre os membros). O estudo revelou cinco traços importantes desse “como” e destacou, entre eles, a segurança psicológica, considerada alicerce para o florescimento de todas as outras.
Os pesquisadores do Google descobriram que uma equipe será mais eficaz se responder com um sonoro “sim” à seguinte pergunta: “Podemos correr riscos nesse time sem nos sentirmos inseguros ou constrangidos?”
Há muitas vantagens em operar dessa forma:
- “Equipes com segurança psicológica têm maior engajamento, mais criatividade, mais capacidade de resolver problemas e menor índice de absenteísmo e doenças relacionadas ao estresse”, diz Edward Deci, professor da Universidade de Rochester e pesquisador da motivação humana.
- “A segurança psicológica favorece a cooperação, a criatividade e a ousadia”, diz Amy Edmondson, pesquisadora que é referência no tema.
- “Indivíduos em times com mais segurança psicológica: a) têm menos probabilidade de deixar o emprego, b) são mais propensos a aproveitar o poder de ideias diversas vindas de seus colegas, c) são considerados mais efetivos pelos líderes duas vezes mais frequentemente e d) trazem mais receita para a empresa”, diz o estudo do Google.
Que empresa não deseja e precisa disso?
“No ambiente altamente demandante e acelerado do Google, nosso sucesso se apoia na habilidade correr riscos e ser vulnerável diante dos pares”, diz um trecho do documento da pesquisa.
Porque convenhamos: já está difícil operar no atual ambiente de negócios. Imagine então se os membros das equipes desperdiçarem tempo e energia protegendo-se, escondendo falhas, fugindo da colaboração ou evitando questionamentos e conversas difíceis. Pode ter dado certo no passado, mas hoje o custo dessas atitudes inviabiliza muitos negócios.
Serão menos competitivas as empresas que não aprenderem a sustentar um campo seguro para as contribuições únicas dos membros das equipes, para colher a criatividade e a inteligência coletiva de um grupo engajado.
O que compromete a segurança psicológica?
A razão mais comum que impede a segurança psicológica é o medo de ficar vulnerável diante do outro. Compreensível. Mesmo fora do ambiente profissional, é raro encontrar condições propícias para assumir uma atitude de vulnerabilidade. Em ambiente corporativo, então, esse termo é quase um tabu, associado a fraqueza e debilidade.
No entanto, a vulnerabilidade está no centro de algumas das mais importantes necessidades humanas, como o pertencimento. “Todos queremos ser compreendidos, pertencer. Isso está inscrito nos nossos genes. E é impossível obter qualquer uma dessas conquistas sem se expor”, diz Brené Brown, pesquisadora americana que se tornou uma celebridade após sua palestra no TED sobre o poder da vulnerabilidade.
“O oposto de pertencer, segundo as pesquisas, não é ser excluído”, diz Brown, “mas se encaixar, ou seja, analisar a situação e se acomodar a ela.”
“O que eu deveria dizer ou fazer nesta situação?”. “O que eu deveria evitar fazer ou dizer nesta outra?”. Essas perguntas, diz Brown, tão comuns em nossa maneira de agir, nos distanciam de nós mesmos, porque orientam nossas decisões pelos outros. “Pertencer exige pertencer antes a você mesmo. Pertencimento verdadeiro não requer que você mude quem você é”, diz Brown. Ao contrário, para obter o benefício do pertencimento verdadeiro, aquele que realmente satisfaz, é preciso ser aceito pelo que se é. “E isso implica vulnerabilidade.”
O que fazer então?
Para Edward Deci, o sujeito que pesquisa motivação, há duas formas de se mover no mundo. A primeira é a motivação controlada, quando nos movemos por alguma pressão externa, seja positiva, como uma recompensa, ou negativa, como uma punição. Ou seja, quando agimos de acordo com o que achamos que os outros querem de nós, tentando ao máximo evitar respostas que os outros possam achar inadequadas – o que nos colocaria em posição vulnerável diante do julgamento deles.
Mover-se pelo mundo dessa maneira, tão dependente de tantas opiniões, tem deixado as pessoas doentes, diz Deci. Ninguém consegue sustentar esse nível de estresse por muito tempo e permanecer saudável.
Amy Edmondson elaborou a seguinte tabela para compreendermos nossos comportamentos. A última coluna foi incluída por nós, da RIA, para mostrar o custo da atitude inadequada.
Mas uma outra atitude é possível. A segunda forma de se mover no mundo, diz Deci, é pela motivação autônoma, que por sua vez tem dois sabores. A primeira é o envolvimento prazeroso, típico de atividades que dão satisfação imediata, como brincar e praticar esportes, dançar ou montar quebra-cabeças. Cada um tem suas preferências, há quem sinta prazer genuíno em atividades que outros consideram abomináveis. A outra motivação considerada autônoma são valores profundamente enraizados. Ou seja, quando alguém age de certa forma porque aquilo alimenta algo que considera importante. É comum esse tipo de motivação no serviço religioso, no trabalho voluntário, em ONGs e entre servidores públicos. De novo, essas motivações são muito pessoais e variam de pessoa para pessoa.
A boa notícia, diz Deci, é que existem condições que favorecem a motivação autônoma. Ou seja, dá para fazer com que membros de uma equipe se movam pelo que gostam ou acreditam e que ainda assim entreguem os resultados desejados.
Em nossa experiência, esse caminho passa por criar, praticar e sustentar novos acordos, que favoreçam relações baseadas em confiança. Só assim, interferindo na cultura organizacional, pode-se criar a segurança psicológica capaz de libertar de maneira sustentável ao longo do tempo os potenciais individuais até hoje latentes.
* Texto publicado originalmente na em setembro de 2019 na edição 136 da revista da HSM. Atualizado em outubro de 2020.
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Rodrigo Vergara é jornalista, ator e improvisador, palestrante e facilitador de grupos, sócio-fundador da RIA, empresa especializada em desenvolvimento de pessoas e equipes com base na segurança psicológica.
Markus Lothar Fourier é psicólogo e administrador de empresas, ator e improvisador.